"A dignidade da pessoa humana, enquanto princípio
fundamental da República Federativa do Brasil, consagrada no art. 1º, III, da
Constituição Federal, constitui diretriz que deve nortear a alteração de
registro civil de transexual. Nessas circunstâncias, tendo em vista que a parte
autora se identifica com o sexo feminino sob o ponto de vista psíquico e assim
se identifica e se comporta socialmente como mulher, não há razão para ser
modificada a sentença que deferiu a alteração do nome da parte autora no seu assento
de nascimento, em face do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana".
Assim se manifestou o desembargador Carlos Levenhagen, da
5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao proferir seu
voto, como relator, em processo movido por uma transexual, em ação de
retificação de registro civil, por meio da qual buscava alterar o seu prenome.
Em seu voto, o magistrado foi acompanhado pelos desembargadores Áurea Brasil e
Moacyr Lobato, confirmando, assim, sentença proferida pelo juiz Carlos José
Cordeiro, da Comarca de Uberlândia.
O Ministério Público de Minas Gerais havia recorrido da
sentença ao fundamento de que não havia sido realizada cirurgia para
modificação de sexo e que, como "as informações constantes do registro de
nascimento não pertencem apenas ao registrado, mas também a sua família e à
sociedade, tais informações devem obedecer aos princípios da imutabilidade e da
segurança". Entre outros pontos, o MP argumentou ainda somente ser
possível a alteração do nome em situações excepcionais, previstas expressamente
na Lei 6.015/73, e que a pretensão da transexual não se enquadrava nas
hipóteses legais.
Situações constrangedoras
Ao analisar os autos, contudo, o desembargador relator
observou que, embora a transexual, nascida em 1986, não tenha se submetido à
cirurgia de transgenitalização, ela não se identificava com o seu sexo
biológico, desde a infância, e realizava acompanhamento especializado de saúde
junto ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU)
desde 2013. Entre outros documentos, além de apresentar certidões negativas de
débitos e nada consta criminais e cíveis, a transexual juntou aos autos laudo
psicológico em que atestava apresentar "Transtorno de Identidade de
Gênero: Disforia de Gênero".
O desembargador relator observou ainda que a transexual
provou ter realizado cirurgias de rinoplastia (plástica no nariz) "para
fins de feminilização facial" e ter implantado prótese mamária, além de
ter anexado ao processo fotos recentes em que comprovava sua forma física
feminina, motivo pelo qual passava por diversas situações constrangedoras e
dificultosas – tanto sociais quanto profissionais– , já que seu prenome não
condizia com seu gênero evidente.
"A identidade psicossocial prepondera sobre a
identidade biológica, sendo possível a alteração do prenome em razão da forma
como o indivíduo se vê e sente, assim como é visto socialmente, de modo que se
revela desarrazoada e humilhante a manutenção do nome no registro civil de seu
nascimento, relativo ao gênero que não corresponde à sua identidade, uma vez
que apresenta nome masculino, mas se vê e se sente como feminino, para os atos
da vida civil, conforme devidamente provado nos autos", acrescentou o
relator.
Dignidade da pessoa humana
A alteração do nome registro civil, pontuou o magistrado,
encontrava suporte no princípio da dignidade da pessoa humana e nos objetivos
da República."(...) O julgador deve analisar as razões íntimas e
psicológicas do portador do nome, e estar sensível à realidade que o cerca e às
angústias de seu semelhante. Na hipótese da transexualidade, a alteração do
prenome da pessoa segundo sua autodefinição tem por escopo resguardar a sua
dignidade, além de evitar situações humilhantes, vexatórias e
constrangedoras".
Para o desembargador, assegurar à transexual o exercício
pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida "o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover
o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos”, garantindo que ele não
seja desrespeitado nem violentado em sua integridade psicofísica.
Dessa forma, acrescentou o relator, a transexual poderá
exercer, "em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho
discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de
igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se
refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá,
após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim,
uma vida plena e digna".
Fonte: http://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/justica-concede-a-transexual-direito-de-mudar-nome.htm#.WnNQr0xFzIU