No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de
regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser
aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do
Código Civil.
No caso, a recorrente vivia em união estável, em regime de comunhão
parcial de bens, há cerca de nove anos, até seu companheiro falecer, sem
deixar testamento. O falecido não tinha descendentes nem ascendentes,
apenas três irmãos.
O tribunal de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do Código Civil
de 2002, limitou o direito sucessório da recorrente a 1/3 dos bens
adquiridos onerosamente durante a união estável, excluídos os bens
particulares do falecido, os quais seriam recebidos integralmente pelos
irmãos. Porém, se fosse casada com o falecido, a recorrente teria
direito à totalidade da herança.
O Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla
diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse
rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto,
não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os
companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída
por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares
mostra-se incompatível com a Constituição.
O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as Leis 8.971/1994 e
9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe
direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido),
entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da
pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à
proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.
A Corte ainda ressaltou que, com a finalidade de preservar a segurança
jurídica, o entendimento ora firmado aplica-se apenas aos inventários
judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e
às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
Vencidos os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski,
que negaram provimento ao recurso. Para eles, a norma civil apontada
como inconstitucional não hierarquiza o casamento em relação à união
estável, mas acentua serem formas diversas de entidades familiares.
Nesse sentido, ponderaram que há de ser respeitada a opção dos
indivíduos que decidem submeter-se a um ou a outro regime.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 498 da
repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário
para reconhecer, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art.
1.790 (1) do Código Civil de 2002 e declarar o direito do recorrente de
participar da herança de seu companheiro, em conformidade com o regime
jurídico estabelecido no art. 1.829 do referido código.
No caso, o tribunal de origem assentou que os companheiros herdam apenas
os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, quando
presentes os requisitos do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Consignou
ser imprópria a equiparação da figura do companheiro à do cônjuge e
afastou a aplicação do art. 1.829, I e II (2), do citado diploma legal.
Ao interpretar o art. 226, § 3º (3), da Constituição Federal (CF),
concluiu que não estariam igualados, para todos os fins, os institutos
do casamento e da união estável.
O Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê
diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento.
Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a
convencional, seja a homoafetiva.
Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis
ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e
da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996).
O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o
casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e
hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela
Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia,
respeito e consideração.
O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os
princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana,
da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e
da vedação ao retrocesso.
Na espécie, a sucessão foi aberta antes de ser reconhecida, pelo STF, a
equiparação da união homoafetiva à união estável e antes de o Conselho
Nacional de Justiça ter regulamentado o casamento de pessoas do mesmo
sexo. Tal situação impede a conversão da união estável em casamento, nos
termos do art. 226, § 3º, da CF. Diante disso, a desequiparação é ainda
mais injusta.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski, que negaram provimento ao recurso.
O ministro Marco Aurélio pontuou ser constitucional o regime sucessório
previsto no art. 1.790 do Código Civil de 2002, que rege a união
estável, independentemente da orientação sexual dos companheiros.
O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a distinção entre casamento e
união estável feita pelo constituinte (CF/1988, art. 226, § 3º)
justifica o tratamento diferenciado no que diz respeito ao regime
sucessório das pessoas que optam por uma dessas duas situações ou por um
desses dois regimes.
(1) Código Civil/2002: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
(2) Código Civil/2002: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.”
(3) CF/1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Fonte: Informativo n° 864 de Jurisprudência do STF